terça-feira, 16 de junho de 2020

A “QUESTÃO MILITAR” E O BRASIL HOJE

Inegavelmente os militares são novamente assunto quente na política brasileira. Não apenas porque temos na presidência um ex-capitão expulso do exército, mas porque este tem aventado que, a qualquer momento, pode haver intervenção do poder militar, a mando dele.

Apesar de já haverem duas manifestações do STF dizendo que isso seria inconstitucional, o assunto continua a ser veiculado e merece, portanto, que reflitamos sobre ele.

De início precisamos ter claro que temos uma “normalidade democrática” ainda jovem: depois do fim “formal” da ditadura civil-militar e da frustração das Diretas Já, que resultou no governo Sarney, tivemos passagens normais de cargo presidencial por apenas seis vezes, mas já é o maior período de normalidade democrática que vivenciamos. Somos inegavelmente uma democracia jovem.

Diferentemente da maioria de nossos vizinhos sulamericanos, não superamos a ditadura de forma plena, pois não fizemos nenhum ajuste de contas com os crimes cometidos durante aquele período e, por isso, o estamento militar continuou impermeável ao controle constitucional. Um exemplo claro disso é que os regimentos disciplinares das forças armadas (que na maioria das vezes são também aplicados às policias estaduais) não incorporam os mecanismos de defesa dos direitos individuais consagrados pela constituição, como a ampla defesa, aos seus subordinados.

Nossos militares ainda não se acostumaram ao novo ambiente democrático. Eles ainda são fieis ao anticomunismo da guerra fria, importado das doutrinas americanas.

Apesar das inúmeras condenações internacionais e pressões para que o Brasil defina uma posição clara de condenação e responsabilização dos militares e policiais que praticaram torturas e violências durante o terrorismo de estado que imperou no regime militar, nada ainda foi feito. E com certeza isso incentiva os militares, vez por outra, ameaçarem a sociedade civil com o retorno daqueles tempos.

Portanto, não nos deve surpreender os arroubos autoritários e as ameaças da turma do pijama que hoje compõe o governo. Na verdade, como não foram chamados a prestar contas devidamente das atrocidades que cometeram durante a ditadura, acham que o que vale são as suas opiniões e interesses pessoais/ideológicos.

 Um exemplo para os que possam ver exagero nessas palavras: Em abril de 2009, sob o governo Lula, portanto, e com Nelson Jobim como Ministro da Defesa, o Estado Maior do Exército produziu um documento, classificado internamente como” reservado”, que recebeu o nome de “Manual de Campanha – Contra-Inteligência.

O texto, de 162 páginas, é um “conjunto de normas e orientações técnicas que reúne, em um só universo, todas as paranóias de segurança herdadas da Guerra Fria e mantidas intocadas décadas depois da queda do Muro de Berlim, do fim da ditadura e nove anos depois da chegada do “temido” PT ao poder.”

Mais informações sobre o assunto podem ser encontradas na Revista Carta Capital, de 19 de outubro de 2011, nas páginas de 28 a 32, em um denso texto que reproduz extratos do documento, assinado por Leandro Fortes.

Como os ataques de Bolsonaro, por ação ou omissão, avolumam-se contra o Supremo, o Congresso e demais instituições da República, é preciso que tenhamos claro que a mudança não virá somente pelo impedimento do mau militar que temos hoje na presidência.

A mudança será apenas um passo inicial na caminhada para um Brasil realmente democrático e solidário.

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